quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Cem anos após um ato que marcou a intolerância religiosa no Brasil, o governo de Alagoas pedirá perdão oficial, nesta quarta-feira (1º), pelo episódio conhecido como “quebra de Xangô.”  No dia 1° de fevereiro de 1912, véspera da comemoração de Iemanjá, uma milícia particular armada --a mando do então governador Clodoaldo da Fonseca e seu vice, Fernandes Lima-- destruiu todas casas de matriz africana existentes em Maceió. O episódio, que chegou a virar um filme-documentário, foi marcado pela violência e resultou no fim de expressões religiosas durante anos no Estado. O ataque aos terreiros terminou com a morte da mãe-de-santo Tia Marcelina, considerada líder espiritual do ex-governador deposto Euclides Malta. Ela foi espancada e morreu em consequência das agressões. Segundo relato de jornais à época, o ataque foi idealizado para acabar com “bruxarias” feitas pelas religiões africanas. O ataque foi coordenado pela Liga dos Republicanos Combatentes, comandado pelo sargento Manoel da Paz, integrante do Exército e que integrou o batalhão da guerra de Canudos (BA). Os historiadores acreditam em um viés político como o principal motivo para a destruição dos terreiros. Segundo o professor e pesquisador da cultura afro-brasileira, Célio Rodrigues, o governador e o vice queriam atacar o ex-governador Euclides Malta, que tinha estreito laço com os líderes da religião africana. “Você não tem ideia da tortura intelectual que foi aquele ato, o dano moral que ele causou. A partir daquele momento, acabou a nossa cultura, não só do candomblé. Acabou com o maracatu, com o nosso frevo, com as baianas, com todo o nosso aparato cultural. Não foi um ato simplesmente de quebrar. Essa milícia particular, montada pelo governador do Estado, destruiu muito mais. O grupo era composto por pessoas que trabalharam na destruição de Canudos. Os religiosos africanos de Alagoas tiveram que fugir para Pernambuco, Sergipe ou Bahia. E os que ficaram, ficaram rezando baixo”. O professor criticou o fato de a operação ser um fato desconhecido aos alagoanos, já que não é está no currículo das escolas. “A história que vemos aqui é a da Europa, da Mesopotâmia, do Egito. Mas a nossa história não é estudada. As escolas só lembram do negro em 13 de maio e 20 de novembro”. Ato de perdão e celebrações O governo de Alagoas informou que o pedido de perdão é um fato inédito na história da cultura afrodescendente brasileira. O ato está marcado para as 17h30 (18h30 pelo horário de Brasília). Antes da assinatura será realizado um cortejo popular, que vai passar pelas principais ruas da parte central de Maceió, mostrando um pouco das religiões africanas. Uma programação cultural também marcará a semana. O projeto “Xangô Rezado Alto – celebrando a memória do Quebra”, que culmina com o perdão oficial no centenário da operação, está sendo coordenado pela Uneal (Universidade Estadual de Alagoas). Segundo o professor e vice-reitor da instituição, Clébio Araújo, a assinatura do ato será feita pelo governador Teotonio Vilela Filho (PSDB) e serve reconhecer um “erro histórico” cometido pelo governo há 100 anos. “Isso indica que há uma disposição de construir uma nova relação com esses cultos. O Estado sinaliza um novo momento que acarretará num novo tratamento e disposição de novas políticas públicas para os cultos de matriz africana”, afirmou Araújo. Só perdão não basta, dizem especialistas Para os estudiosos da cultura afro-brasileira, o pedido de perdão por parte do governo é um ato importante para reconhecer o erro e consolidar a autoestima das religiões africanas no Estado, mas não pode ficar apenas restrito a um ato burocrático. “É um ato simbólico. Existe um processo importante, de o governo admitir erros. Mas o ato de perdão tem que ir além, com um pacote de reparação. Alagoas tem o maior índice de desigualdades raciais do país. E como esse ato vai ser revertido em políticas públicas? Vai criar espaços afirmativos para os jovens negros? Somos o Estado mais violento do país, e o negro é a maior vítima. Morte de negros aqui bate recorde, e as autoridades estão quietas sobre isso. Nós não temos uma secretaria ou mesmo órgão que trabalhe essas questões”, disse a coordenadora do projeto Raízes de Áfricas, Arísia Barros. O professor Célio Rodrigues também acredita que o momento é propício para que o governo crie ações para reduzir as desigualdades raciais.  “Esse será um dia celebração, de inserção. Vamos aproveitar para pedir a implantação de políticas públicas para as religiões e a implementação da lei que obriga as escolas a ensinar a história da cultura afro-brasileira e da África. Se essa lei fosse aplicada, saberíamos das etnias que vieram para Alagoas. Será um momento de reflexão sobre esses temas, com a participação do governo.”

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